O dia em que Zelão se rebelou
Salve Nação Celeste!!!
Quando escalo meu time do Cruzeiro de todos os tempos, costumo deslocar o Piazza para a zaga simplesmente porque não tem como deixar o Zé Carlos de fora.
Dono de uma técnica invejável aliada a raça e capacidade física incríveis, Zelão entrou em campo mais de 600 vezes com o manto celeste.
Nascido em Juiz de Fora, Zé Carlos veio pra o Cruzeiro aos 19 anos vindo do Sport, time de sua cidade natal. O resto é história.
História (com H) que não vou ficar aqui repetindo pois existem algumas dezenas de estatísticas que contam a trajetória desse monstro, o segundo jogador que mais defendeu o Cruzeiro.
Vou sim, contar uma estória (com E).
Uma traquinagem que o tornou mais respeitado, verdadeiro dono do meio campo celeste.
Corria o ano de 1967 e o brilhante Cruzeiro, então campeão brasileiro, começava a atrair os holofotes do mundo da bola.
Assim, o time foi convidado a inaugurar um estádio em Washington, capital dos Estados Unidos.
Essas excursões no meio da temporada, embora estranhas nos dias de hoje, eram bem comuns.
E como não haviam cotas de patrocínio máster de uniforme ou de TV, os times não podiam perder oportunidades de reforçar seus cofres.
Assim sendo, e em meio a competições oficiais rolando, o Cruzeiro reuniu o que tinha entre reservas e juniores e mandou a equipe reforçada com Tostão.
Zé Carlos, reserva à época, estava entre eles.
Após o jogo, para melhorar os lucros e aproveitar o carreto, o Cruzeiro agendou mais alguns amistosos no México.
O derradeiro jogo seria na cidade de León contra ninguém menos que a Seleção Mexicana, que se preparava para receber a Copa do Mundo dali a três anos.
Airton Moreira, nosso treinador, telefonou então para BH implorando por reforços, pois o clube iria pela primeira vez enfrentar o selecionado de um País.
Devido aos altos custos nesse deslocamento, o pedido lhe foi negado.
Sugeriu então que enviassem ‘só’ Raul, Piazza e Dirceu Lopes.
Segunda resposta negativa.
Airton teria de escalar o que estava lá.
O medo de uma surra então fez com que ‘seu’ Airton armasse uma tremenda retranca, com três volantes à frente dos dois zagueiros: o ferrolho tinha Willian e Vavá na zaga, mais Ilton Chaves, Antoninho e Zé Carlos na proteção
- Heróis Marginais – Diz a velha canção: Goleiro não pode falhar!
- A tragédia de Nininho – O sucesso foi meteórico; sua vida também…
Só que esse não era o DNA daquele time.
Zé Carlos então reuniu a ‘patota’ e comandou em segredo um pacto de que o time iria, sim, atacar; surpreender o adversário de novo como fizera com o Santos de Pelé meses antes.
Tarde de muito sol em Leon, bola rolando e o quase sempre calado Zelão comandava a meiúca, mandando o time adiantar a marcação e encurralar o adversário em seu campo de defesa, para fúria enlouquecida de Airton Moreira que gritava à beira do gramado.
Assim, depois de três ótimos ataques e defesas espetaculares do goleiro Calderón, o meia Batista acertou um tirambaço de fora da área na forquilha do gol mexicano: Cruzeiro 1 a 0.
No intervalo, aplausos de pé dos torcedores locais.
No mesmo intervalo, ao invés de uma bronca, um treinador desconcertado elogiou a disposição tática do time em campo.
E gargalhada geral.
A Seleção do México voltou com os ânimos mexidos para a etapa final e tentaram de toda forma empatar e virar o jogo, mas foi o dia de mais um reserva brilhar: o goleiro Tonho, que quase não jogava pois vivia à sombra de Raul, defendeu o que pôde e o jogo acabou com vitória celeste.
No aeroporto da Pampulha, familiares e torcedores saudaram os reservas de volta pra casa que derrotaram a seleção de um País com raça e amor à camisa.
A estória (com E) é essa.
A história (com H), Zé Carlos a escreveu lindamente.
Humilde, Gigante, o aniversariante dessa semana saiu de cena em 2018 para entrar para a galeria dos artistas que mudaram de palco.
Juntou-se a seus companheiros Roberto Batata, Perfumo e a tantos outros que fizeram dessa camisa uma das maiores do mundo.
* Fotos: BHaz / Lancenet